quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Local de Cemitérios

SELECÇÃO DE LOCAIS
PARA A INSTALAÇÃO
DE CEMITÉRIOS:
INFLUÊNCIA DOS FACTORES
CLIMÁTICOS
Vimos na anterior edição deste boletim
que a inumação de cadáveres humanos
é susceptível de produzir impacto negativo
no ambiente, particularmente
sobre as águas subterrâneas. Tal impacto
decorre dos processos de decomposição
dos cadáveres e das urnas
onde são colocados pelo que, em primeiro
lugar, está relacionado com a
sua composição. Contudo, outros factores
condicionam o potencial efeito
poluente dos cemitérios nas água subterrâneas,
já que o movimento e o
comportamento geoquímico dos produtos
finais da decomposição dos materiais
dependem também das características
do substrato, nomeadamente
da porosidade e da permeabilidade do
solo, da profundidade do nível freático
e da posição do cemitério em relação
ao escoamento subterrâneo. Por outro
lado, o próprio clima exerce também
influência sobre a vulnerabilidade dos
aquíferos à contaminação das águas
subterrâneas.
Pelo que ficou dito, depreende-se que
a selecção de locais para a instalação
de cemitérios deve obedecer a um
conjunto de critérios que permitam prever
e avaliar as possíveis incidências
ambientais associadas à instalação
dessas infra-estruturas sanitárias. Entre
esses critérios, contam-se descritores
de natureza hidrológica, geológica, hidrogeológica
e climática. É sobre este
últimos – climáticos – que nos debruçaremos
na presente nota, remetendo
para futuras edições a discussão relativa
aos restantes factores.
As variáveis climáticas, em particular
a temperatura e a precipitação, constituem
importantes parâmetros a atender
na selecção de locais para a instalação
de cemitérios.
A influência da temperatura é essen
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boletim 21 gramas
cialmente notória a nível da taxa de
decomposição da matéria, já que a cinética
das reacções envolvidas é condicionada
por este parâmetro. Como é
do conhecimento geral, a temperatura
depende da latitude e, em determinados
climas, apresenta variações sazonais.
Assim, nos climas quentes das regiões
intertropicais, os cadáveres são mais
rapidamente decompostos do que em
regiões de climas frios ou temperados,
provavelmente devido à maior abundância
e actividade dos microrganismos
dos solos naqueles climas, os quais
aceleram o processo de decomposição.
Por isso, em climas quentes, o potencial
de contaminação das águas subterrâneas
poderá ser inferior ao dos climas
frios, uma vez que a decomposição
está temporalmente mais limitada. No
entanto, o impacto sobre as águas
subterrâneas pode ser de maior magnitude,
devido à concentração de poluentes
num período de tempo mais
curto.
Em climas frios, devido à menor taxa
de decomposição, este processo prolonga-
se no tempo, favorecendo a persistência
de contaminantes no solo os
quais, em condições favoráveis, poderão
atingir as águas subterrâneas.
Como tal, o potencial de contaminação
nestes climas pode ser considerado
mais elevado do que em climas mais
quentes.
Nos climas temperados, é ainda importante
referir a variação sazonal da
temperatura e os seus efeitos a nível
dos processos de decomposição. Assim,
enquanto nos meses de Inverno
as taxas de decomposição são baixas,
as temperaturas elevadas do Verão
favorecem a decomposição da matéria,
dando origem a uma maior carga poluente.
No entanto, como se disse anteriormente,
o potencial de contaminação
das águas subterrâneas está, em termos
climáticos, condicionado, não só
pela temperatura, mas também pela
precipitação e, sobretudo, pela infiltração.
De facto, a precipitação é um parâmetro
climático ainda mais importante que a
temperatura na avaliação do impacto
dos cemitérios no ambiente. A sua influência
faz-se sentir, não só a nível
da actividade microbiana, mas também
na mobilização dos produtos finais da
decomposição. A fracção da precipitação
que se infiltra num solo onde está
instalado um cemitério vai promover a
formação de um lixiviado que arrastará
microrganismos e produtos finais da
decomposição, os quais poderão atingir
as águas subterrâneas. Além disso, a
taxa de infiltração determinará variações
na profundidade do nível freático, podendo
este aproximar-se e mesmo
atingir a zona de deposição dos cadáveres,
colocando em contacto directo
as águas subterrâneas com os materiais
em decomposição. Daí resulta um forte
poder contaminante, não havendo espaço,
nem tempo para a atenuação
natural do fenómeno de contaminação.
Nestas condições, as áreas envolventes
aos cemitérios são particularmente
sensíveis aos períodos pluviosos,
já que as situações de contaminação
afectam muito rapidamente e de forma
acentuada estes locais. Aliás, durante
os períodos pluviosos, têm-se observado
aumentos significativos da carga
microbiana e de contaminantes químicos
nas águas subterrâneas. Por isso,
é fundamental que haja uma distância
adequada entre a base das sepulturas
e o nível freático. Devido à variação
sazonal da posição do nível freático,
deverá assegurar-se que tal distância
seja mantida nos períodos húmidos,
altura em que o nível freático fica mais
próximo da superfície.
Em síntese, nos climas quentes, a decomposição
dos cadáveres é rápida
mas, em igualdade dos restantes factores,
o seu potencial de contaminação
das águas subterrâneas é baixo, verificando-
se o oposto em climas frios.
Por sua vez, os climas húmidos são
favoráveis à decomposição da matéria,
sendo o seu potencial de contaminação
elevado, ocorrendo o contrário nos climas
secos.
Reportando-nos à situação climática
de Portugal continental, verifica-se uma
distribuição desigual dos parâmetros
climáticos entre os sectores norte e
sul do território. No norte predominam
as temperaturas mais baixas e, sobretudo
no sector noroeste, são registadas
as maiores precipitações anuais. Por
sua vez, o sul, em particular a região
alentejana, pode caracterizar-se por
um clima semi-árido, com precipitação
baixa e temperatura relativamente elevada.
Como tal, pode considerar-se
que, em termos climáticos, o norte do
território continental apresenta uma
maior vulnerabilidade à poluição das
águas subterrâneas e, por isso, na selecção
de locais para a instalação de
cemitérios nesta área, deverá atender-
se a este elevado potencial de
contaminação.
Prof. Dr. Alberto da Silva Lima
Departamento de Ciências da Terra
Universidade do Minho

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